Ato de Fundação

A proposição do Núcleo Joinville da Escola de Psicanálise do Corpo Freudiano surgiu a partir de uma escuta singular que leu o interesse para fazer uma diferente comunidade psicanalítica local. Mais do que isso, a novidade de um desejo de Escola em perspectiva inédita e a vontade de estar entre os pares para transferências de trabalho causaram mobilização e entusiasmo.

Não é de hoje que a formação do psicanalista é um assunto a ser tratado com rigor e seriedade. Dentre as diversas Escolas de Psicanálise, erige-se a Escola de Lacan: em grande medida, lacanianos são, sobretudo, freudianos. Isso quer dizer que o legado de Freud foi retomado por Lacan em seu ensino tão plural e disruptivo.

Assim como é preciso manter o vigor da pergunta sobre o que é a psicanálise, não menos importante é a vida do questionamento sobre o que é um psicanalista. Numa Escola, uma espécie de coletivo não- todo dos que estão em formação - essa sempre inacabada e permanente - trata-se da subsistência da psicanálise na vertente clínico- política do dispositivo analítico.

Freud, em A questão da análise leiga... enfatizou e advertiu que “ninguém que não tenha sido habilitado para tanto através de uma formação específica deva exercer a análise” [1]. Lacan redimensionou a assunção de Freud, pois no seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, afirmou: “O fim do meu ensino tem sido, e permanece, o de formar analistas” [2].

Mais adiante, criticando a própria noção de formação do psicanalista, Lacan fez uma intervenção provocadora: “não há formação analítica, há somente formações do inconsciente” [3]. Em outras palavras, um psicanalista se produz na sua experiência de análise, como singularidade e como um fundamento que promove efeitos de formação, que podem dirigir-se à Escola.

Dito de outro modo, endereçar-se à Escola é dar mostras de que há um pedido, mas a demanda de se tornar analista não é equivalente à abertura para o desejo do psicanalista: eis aí um ponto que não se ensina, uma vez que isso pode ou não advir enquanto uma diferença absoluta. É necessária uma travessia da fantasia, assim como uma travessia da teoria [4].

Isso posto, o corpo vivo de uma Escola se faz na cidade e na leitura que dela se tem. Sobre a cidade de Joinville, geralmente associada à cultura germânica, é lembrada pelo seu robusto parque fabril e uma gama diversa de serviços. De uma vitrine para os negócios, fala-se de uma cidade industrial e não de um município das ciências humanas, tampouco de uma cidade psicanalítica [5].

Além dessas considerações, o que foge das manchetes dos jornais são as desigualdades e os privilégios, no entanto, a psicanálise se ocupa daquilo que escapa. Joinville não é apenas o retrato do imigrante europeu. Recentemente, segundo uma revista, Joinville recebeu o título da Cidade Mais Feliz do Brasil em 2025; curiosa e ironicamente, dois meses depois, um jornal da cidade trouxe uma matéria de um estudo feito entre 2015 e 2024, que apontou Joinville como uma das cidades de Santa Catarina com o maior número de casos do dito burnout. Parece um selvagem retorno do recalcado jornalístico? Mais além da dança, das flores e das bicicletas?

Da “Colônia Dona Francisca” a Joinville, hoje se realiza a fundação do primeiro movimento do Corpo Freudiano em Santa Catarina, o Núcleo Joinville agora compõe o novo quadro da Escola entre as cidades que a situam no Brasil e no exterior.

É sabido que a história da psicanálise em Joinville/SC não começa nas Escolas de Psicanálise de Freud a Lacan, e sim pelas faculdades de psicologia na década de 80 e final da década de 90, as quais receberam professores de outras localidades para transmitir a psicanálise. Já a primeira instituição psicanalítica surgiu após a virada do milênio por volta do começo deste século XXI.

Diante disso, posso dizer que a teoria e a prática psicanalíticas emergiram pelo discurso do mestre, e o laço discursivo precisará girar do que foi histericizado para encontrar no discurso do psicanalista, o saber no lugar da verdade, isto é, o desejo de saber como um dos seus nomes. Do que se pode fazer com a divisão subjetiva, por meio do que se sabe e do que não se sabe, o significante da falta de um significante no campo do Outro S(Ⱥ)é uma maneira de designar uma passagem para o saber inconsciente.

Para concluir, que a chegada do Núcleo Joinville do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise funcione como um agente da causa psicanalítica, um refúgio contra o mal-estar, um lugar para o laço e para a invenção, como um arranjo face a algum ponto de real, o impossível de ser simbolizado. Parafraseando Conceição Evaristo sobre o ato de escrever, que este Corpo esteja num “movimento de dança-canto” que o corpo não executa harmoniosamente e que, apesar dele e com ele, coloque uma senha, uma marca pela qual acesse o mundo! [6].

Joinville, 02 de agosto de 2025.
Carlos SapelliDiretor
Referências
[1] FREUD, S. "A questão da análise leiga. Conversas com uma pessoa imparcial (1926). In: Fundamentos da clínica psicanalítica. Obras incompletas de Sigmund Freud. Tradução de Claudia Dornbusch. São Paulo: Editora Autêntica, 2021, p. 269. [2] LACAN, J. O Seminário, Livro 11: 0s quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Tradução de M. D. Magno. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 225. [3] LACAN, J. "Intervention à L'EFP, le 3 novembre 1973". In: Lettres de l'école Freudienne de Paris, n° 15, inédito. [4] COUTINHO JORGE, M. A. "Lacan e a estrutura da formação psicanalítica". In: Idem. Lacan e a formação do psicanalista. Rio de Janeiro: Contra Capa. (Org.) Corpo Freudiano Seção Rio de Janeiro, 2018, p. 99. [5] VOOS, C. H. Quem manda na cidade: poder e rent-seeking urbano. Curitiba: Appris, 2018, p. 67. [6] SILVA, M. L. da. Prefácio. In: SOUZA, N. S. Tornar-se negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Zahar, 2021, p. 21.
Associados Fundadores | Colegiado
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Bruna Sofia Morsch
Participantes
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Assinaturas do Ato de Fundação
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